No início dessa semana comemorou-se o dia do índio e com isso os principais meios de comunicação e de divulgação de cultura, se é que cultura se divulga, tiveram em suas pautas assuntos relacionados à cultura e ao modo de vida indígena. Destes um dos que mais me chamou atenção, não por ser a mais interessante, melhor ou mais apropriada matéria a respeito, mas por conter a mais “perigosa” definição, foi o título e a matéria de capa da revista da cultura distribuída gratuitamente nas lojas da Livraria Cultura.
A chamada de capa da principal matéria interna da revista dizia: Literatura indígena: a redescoberta de um Brasil ancestral. Ao ver e capa da revista me empolguei e pensei encontrar em sua matéria interna algo sobre a literatura indígena, mas o que encontrei foi uma matéria sobre escritores brasileiros como José de Alencar, Gonçalves Dias, Mário de Andrade e de outros antropólogos ou pesquisadores que escreveram sobre os índios, mas que não são índios!!!
É verdade que a matéria trás um comentário breve e superficial sobre a literatura realmente indígena, aquela escrita pelos índios, nele se fala sobre inclusão, quebra de barreiras, de preconceito, mas não da literatura indígena propriamente dita.
Tentando ser mais claro, somente o escritor indígena Daniel Munduruku é citado na matéria, então mas me pergunto: onde estão Olívio Jekupé, Kaka Werá Jecupé do magnífico Tupã Tenondé: a criação do Universo, da Terra e do Homem segundo a tradição oral Guarani ou Eliane Potiguara que foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 2005 e outros tantos índios que escrevem e divulgam sua cultura de modo muito mais justo que outros brasileiros?
Para ser sincero cansei de ver “idolatrar-se” escritores como um que escreve sobre os índios Kaingang, tem na capa de seu livro um índio do Xingu e no texto palavras indígenas, aprendidas com os Kaingang, escritas em Guarani. Isso definitivamente não é literatura indígena ou indigenista!
No domingo estive no primeiro Sarau de poéticas indígenas realizado na Casa das Rosas em São Paulo onde conheci alguns índios. Escritores, professores, ativistas, poetas, e outros que desempenham papel importante na sociedade indígena e na integração ou harmonização do contato de sua cultura com a nossa.
Lá um dos índios durante uma conversa informal puxou a mulher do canto para a conversa e me fez presenciar o seguinte:
“Essa é minha mulher – me disse Olívio Jekupé.
E lhe perguntou:
– Você sabe ler?
E ela respondeu:
– Não.
E continuou:
– Você sabe escrever?
E ela:
– Não.
Então ele voltou-se para mim e perguntou:
– Mas se você vier à nossa aldeia, ela te contar uma história, uma lenda ou algo de nossa cultura e você como um antropólogo registrar essa história tal e qual ela te contou em um livro, quem é o escritor, você ou ela?
Eu fiz cara de: pois é…
E ele concluiu:
– Não é porque ela não sabe escrever em português ou guarani que ela não pode ser uma escritora. Tem alguns índios em nossa aldeia que só falam e escrevem guarani, não é porque sou eu, o cacique ou outro índio que escrevemos o texto deles em português que somos os autores da história deles, não é mesmo?”
Não comentei essa conversa no momento em que aconteceu e não vou comentá-la agora, mas não poderia deixar de divulgá-la, mesmo que para um grupo restrito de pessoas.
Se puder leia o livro Kosmofonia Mbya Guarani de Guillermo Sequera organizado por Douglas Diegues e você entenderá mais sobre a linguagem dos Mbya Guarani. Lá em textos bilíngues você terá a oportunidade quase única de entender o significado da frase de Guillermo Sequera: “os Mbya Guarani ainda não conhecem a linguagem poética porque eles nunca conheceram outra linguagem que não fosse a linguagem poética.”
Leia e ouça alguns cantos e rituais indígenas e delicie-se com o resgate de sua/nossa história.
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Olá, sou jornalista e atualmente vivo em Santiago do Chile. Estou fazendo mestrado na área de Estudos Latinos Americanos. Além de estar aprendendo sobre os diversos períodos históricos dos países latinos, estou fazendo uma clase sobre os índios mapuches, e provavelmente a temática indigena será focu da minha monografia. Por incrível que pareça foi aqui no Chile que pela primeira vez entrei em contato com a poesia indigena. E como meu trabalho deve ser comparativo comecei recentemente a buscar essa temática no Brasil. E pelo o que percebi é um tema pouco debatido. Achei muito interessante seu depoimento. Por isso, seria extremamente positivo se eu pudesse ter seu e-mail para que pudessemos trocar informação a respeito dos índios: Brasil – Chile.
Grata por sua atenção. Aguardo seu retorno, Carolina Coral
Oi, Carolina,
Interessante teu trabalho com poesia indígena. Vou mandar-lhe um e-mail para começarmos a nos corresponder, quem sabe ajudamos um ao outro.
Abraço,
Milton.
Olá!
Gostaria muito de ler o livro Kosmofonia Mbya Guarani, mas não encontro em nenhum lugar, vc poderia me indicar algum lugar onde eu possa ler ou comprar? Aguardo vcs!
Muito Obrigado,
Roger
rogermuniz@yahoo.com.br
Sou de Caruaru-PE. Tenho pesquisado muito sobre a situação atual da literatura nativa, escrita por indígenas. Estive na última Bienal, na capital, ou melhor, em Olinda, e não encontrei nada!!!!!!!!! Caminhando, atordoada com tantos livros, encontrei um stand do exercito. Fiquei aliviada, pois tinha certeza de que lá a minha perigrinação teria uma resposta positiva! Voltei do grande evento, com a convicção de que temos que arregaçar as mangas e entrar na luta com eles, fazendo valer os seus direitos, de filhos desta terra que são.
Ao Milton e demais seguidores deste blog informo que a Global Editora está lançando a Coleção Muiraquitãs, sob minha coordenação editorial. O propósito da mesma é justamente lançar obras de autoria nativa, de escritores indígenas de etnias diversas. Eis o link, para quem tiver interesse de uma prévia: http://colecaomuiraquitas.blogspot.com/
Gostaria de obter o livro Kosmofonia Mbya-Guarani , mas não estou encontrando aqui no Rio de Janeiro , saberia informar como posso conseguir , preciso para uma pesquisa. Obrigada.